Transfusão de amor é isto!

Atualizado em 29 Novembro, 2019

Há muitos anos, depois da minha licenciatura em Medicina, trabalhei por vários meses numa clínica em El Valle, uma cidadezinha no planalto central da República Dominicana. O corpo de funcionários era reduzido: eu próprio, outro médico recém-saído da faculdade e uma enfermeira — todos sob a supervisão de um médico que acabara de completar o estágio. Em conjunto, os quatro vivíamos e trabalhávamos num edifício de blocos de cimento com duas salas de exame, uma pequena área cirúrgica, uma sala de espera e alguns quartos minúsculos.

Como o hospital mais próximo ficava a mais de hora e meia de carro, nós representávamos o único cuidado médico de toda a região. E, apesar de nossos magros suprimentos de remédios e equipamento, atendíamos quase setenta pacientes por dia, e tratávamos praticamente de todos os tipos de doença.

As pessoas caminhavam de pés descalços um dia inteiro até chegar à nossa clínica, e muitas estavam desesperadamente doentes. E eu sentia-me como se tivesse sido transportado numa máquina do tempo até uma realidade passada muito diferente e bem distante daquela que eu conhecia.

E, embora eu falasse um espanhol razoável, a comunicação era muitas vezes difícil porque muitos pacientes eram migrantes originários do Haiti, país de língua francesa, e tinham dificuldades com o espanhol.

Certa vez, uma jovem haitiana foi trazida para o hospital em estado de choque quando o seu braço foi estraçalhado numa máquina debulhadora. Apressámo-nos a levá-la até à sala de operações improvisada e pusemo-la a soro, enquanto lutávamos para controlar a hemorragia. A contagem de glóbulos era tão baixa que o nosso equipamento tinha dificuldade em registá-la. Mas a jovem precisava desesperadamente de sangue e morreria se não fizéssemos uma transfusão.

O único método que tínhamos para tirar sangue era a transfusão direta de uma pessoa para outra. Com o nosso kit rudimentar para tipificação de sangue, o único dador potencial que pudemos encontrar foi o seu irmão mais novo.

O espanhol dele era deficiente, mas pareceu entender quando explicámos que seria necessário tirar algum sangue dele para salvar a irmã. Mas empalideceu, sentou-se em silêncio por um momento, e perguntou se havia alguma outra maneira.

— Não — respondi.

E ele balançou lentamente a cabeça, concordando.

Colocámos a agulha intravenosa no seu braço, e iniciámos a transfusão para a irmã.

E quase logo a jovem começou a recuperar a cor.

O irmão sorriu ao ver que ela melhorava e, no seu espanhol imperfeito, perguntou:

— Cuando voy a morir? (Quando vou morrer?)

Fiquei estupefacto, mas só então percebi que ele compreendera mal as nossas explicações, e que pensava que precisaríamos de todo o seu sangue para salvar a irmã.

Esta criança, este garoto admirável estava disposto a sacrificar a sua vida para salvar a da irmã que amava! E isto sem hesitar sequer!

Naquele momento, senti uma enorme reverência por aquele menino.

E enquanto eu lhe explicava tudo e o contemplava, do seu rosto emanava um suave esplendor…

Apesar do seu medo, o garoto parecia em paz.

Blair P. Grubb, M.D.